É sobre os seus adeus
- Gabriella Collodetti
- 24 de out. de 2017
- 3 min de leitura

Em uma dessas tardes de domingo em que a preguiça se instala até nas artérias do corpo, me vi perdida numa página da internet com vários textos profundos e super contextualizados sobre o amor. Fiquei horas e mais horas lendo cada linha presente na minha tela até que certo trecho me tocou e, involuntariamente, fez com que eu me lembrasse de você. Ele dizia que "adeus não é uma despedida, é entregar nas mãos de Deus aquilo que você não pode mais cuidar."
Os dias passaram e aquela frase me acompanhou insistentemente até que, em um momento não muito específico da minha embriaguez de final de semana, pude bater o copo de cerveja na mesa para afirmar que não concordo nem mesmo com a vírgula presente na oração. Não por ter dúvidas gramaticais (ou religiosas perante Deus), mas sim porque, independentemente dos estudiosos atrás dos dicionários e das forças que regem o universo, a minha maior certeza é de que eu não preciso te entregar em outras mãos - sejam elas quais forem - para que você seja cuidado. Sempre fiz isso com maestria, sabe?
Quando minha mente traz recordações torturantes da primeira vez em que tive que me despedir dos seus braços calorosos, lembro claramente que me faltou o ar. Na mistura de soluço e de lágrimas quentes rolando no meu rosto, me questionava o tempo inteiro quem te faria parar de coçar as suas alergias ou quem te acordaria dos pesadelos que te fazem prender a respiração. Não achei respostas.
Depois, aceitando um pouco mais a situação, me afastei da sua pele em um instinto de proteção, e ainda que o seu campo de visão não me enxergasse por perto, posso dizer que sempre estive ao seu redor. Nas vezes em que surgia alguma briga dentro da sua casa, nas provas em que você ia mal, nos momentos em que a dor invadia o seu peito silenciosamente, eu estava lá sem estar, entende?
O tempo, porém, se encarrega de fazer acontecer aquilo que está escrito na poeira das estrelas mais distantes do nosso céu. De um jeito engraçado, as constelações cravaram os nossos nomes lado a lado. Talvez seja essa, portanto, a explicação mais plausível para as nossas tantas voltas sem pé nem cabeça. Porém, o fato é que, infelizmente, às vezes não é o momento certo de voltar. Não podíamos forçar algo que possui o seu ritmo natural e, com isso, desencadeou outras despedidas e outras dores.
O seu segundo adeus traz à memória o cheiro do álcool sendo expelido do nosso organismo e, por mais um momento de choros e pedidos para que você permanecesse, te vi soltar a minha mão e virar o rosto. Vi você enxugar a tempestade dos meus olhos enquanto silenciava ao meu desespero. Foi tão injusto.
Mas, amor, como explicar que até outro dia existia um imã que nos puxava para perto? Era complicado permanecer distante sendo que nossa vontade era estar perto. Fizemos da nossa vida uma mentira fácil de ser digerida porque a verdade sempre machucou muito mais. Aceitar-nos de volta depois de tantos traumas significava ter que conviver com cada cicatriz ainda em processo de cura. Não tivemos maturidade para isso.
Então, depois de uma última tentativa de consertar tudo que ainda estava quebrado, vi nossas mãos sangrarem em meio aos cacos de vidro que nos transformamos. Para que levar adiante tamanha tortura? Era hora de despedir, pela terceira vez, do que transbordava e floria, mas do que também doía por inteiro. Dessa vez, contudo, me instiguei com a ausência de choro.
Demorei a perceber que havia me acostumado com a sua inconstância. Eu não aguentava mais, entende? Ora fica, ora vai. Ora ama, ora odeia. Ora quer, ora rejeita. No fim, eu havia percebido que, por mais que eu não tivesse te entregado a outras mãos, a sua liquidez não te deixava permanecer entre os meus dedos. Não era minha a culpa, nunca foi.
Eu sempre pude te cuidar, o triste, porém, é que não cabia a mim a decisão de não ter que partir, afinal, se dependesse de tudo aquilo que acredito e defendo, não teríamos nos despedido nem mesmo uma única vez. O problema, na verdade, é que você fez de cada despedida um adeus concreto e, por sua causa, hoje eu me cuido em mãos que não são suas.
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